há 14 anos, morria Vic Chesnutt

No dia 24 de Dezembro de 2009, Vic Chesnutt tomou mais relaxantes musculares do que devia. Muitos mais. Não pode ter sido acidente; ele conhecia bem os remédios, tomava-os há vinte e sete anos, desde que ficara paraplégico – quase tetraplégico – por causa de um acidente de carro, aos dezoito. Esses anos todos tinham sido difíceis: as dores eram insuportáveis – e os remédios, muito, muito caros. Crítico do sistema de saúde americano, Vic tinha um plano médico mas devia cerca de 70 mil dólares a hospitais e em remédios quando morreu, no dia seguinte, no Natal de 2009.

Chesnutt cresceu no interior da Geórgia, numa cidadezinha de dois mil habitantes com o improvável nome de Zebulon. Adotado por um casal, criava canções antes de aprender a escrever. Passava os dias lendo filosofia e poesia e tocando. E compondo. Quando o acidente aconteceu, ele já tinha material suficiente para um disco. Foi quando mudou-se para Athens, cidade que vivia uma intensa cena musical naquela época, 1985. Não se deixou intimidar pela falta de dinheiro ou pela cadeira de rodas e conseguiu espaço regular em um bar, o 40 Watt Club, onde foi visto por Michael Stipe, do REM, que ficou imediatamente mesmerizado. Stipe produziu os dois primeiros discos de Vic: “Little” (1990) e “West Of Rome” (1991). Esses discos estranhos, quase minimalistas, com esse cadeirante de voz roufenha e versos complexamente poéticos, chamaram a atenção da crítica, de músicos e do cineasta Peter Sillen. Sillen rodou um pequeno documentário sobre Vic que foi ao ar uma única vez, em 1993, pela PBS, e que foi de ser disponibilizado na web (https://c41.gosimian.com/v3/sp/a/mf9GsdCSM0_6VRzYKAlCdQ/U3BlZWQgUmFjZXI=).

Seu próximo disco, “Drunk” (1993) teve alcance maior que os dois anteriores e colocou Vic na estrada. O próximo, sairia em 1996, “Is The Actor´s Happy?”, junto com um disco-tributo a Vic, produzido pela ONG Sweet Relief, que ajuda músicos doentes. “Sweet Relief II – Gravity of the Situation” reuniu bandas como REM, Garbage e Smashing Pumpkins e levou Vic a assinar um contrato com a Capitol, onde lançou “About to Choke” (1996) – um disco estranho, que não teve grande aceitação, e que pode ter sido uma autossabotagem de Vic, que criticava o mainstream e as majors. De qualquer maneira, seu próximo disco foi seu projeto mais grandioso e certamente serviu para inscrever seu nome ao lado dos grandes letristas da música de todos os tempos; “The Salesman and Bernadette” (1998) teve o acompanhamento luxuoso da banda-evento Lambchop e permitiu a Vic criar uma espécie de “ópera sulista gótica” com os temas de sua obsessão, a morte e a dor, mas com muito humor e uma estranha suavidade.

Seu ápice, infelizmente, representa o início do declínio. Apesar do bom “Silver Lake” (2003), Vic lançaria apenas um álbum à altura dos primeiros trabalhos: “Dark Developments” (2008). Seus dois últimos discos são tristes, tristíssimos, belos e com aquela poética intrincada, mas realmente depressivos. Nos dez anos que separam “The Salesman…” de seu último disco, “Skitter on Take-Off” (2009), Vic teria tentado se matar algumas vezes – falam em três tentativas. Depois de flertar com a morte, ele deitou-se finalmente com ela.

Stipe disse que Vic era “um dos grandes”. Jeff Mangum contou que foi a Athens nos anos 80 a procura de Deus e encontrou algo melhor: Vic. Patti Smith disse que ele “estava sempre inteiramente presente e inteiramente em outro lugar, um lugar místico. Era uma criança e um velho”. O cineasta Jem Cohen diz que o sistema médico americano é o responsável pela morte do músico. Em 2011, a banda Cowboy Junkies gravou um disco inteiro com canções de Vic com o acertado nome de “Demons”.

A história de vida, sua persona, sua imagem na cadeira de rodas, sua voz áspera (mas afinada) e sua dificuldade para tocar (gerando sempre economia nos acordes, por necessidade) sua posição política e seus gostos literários e musicais, fazem com que a música de Vic Chesnutt seja única – não houve ninguém como ele. Está numa esfera que reúne Dylan e Leonard Cohen, Lou Reed e Joni Mitchell. Nesses 14 anos de sua trágica morte, resta a grande música que aí está, para ser descoberta.

Uma curiosidade: depois que comprei o CD de “Drunk”, mandei uma carta para Vic, escrita à mão, curta, falando um pouco sobre mim e a pequena cidade onde moro, Americana, SP, Brasil. A resposta veio no álbum “About to Choke”, na música “New Town“.

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meus 10 filmes preferidos de 2023

Filmes preferidos podem não ser os MELHORES, mas aqueles que assisti com grande prazer e tive vontade de rever e que quero que as pessoas próximas vejam para discutir, conversar, curtir. Por exemplo: o novo Scorsese é realmente ótimo, é um grande filme em todos os sentidos, e gostei muito, reconheço que é dos melhores dos últimos filmes do diretor, mas não amei, não é um filme que queira rever brevemente. É o caso de “Oppenheimer”.

Não vi vários que estão aparecendo em listas, como o “The Holdovers” ou o novo Godzilla ou o “Zona de Interesse” ou “Maestro” ou “Priscilla” ou “May December” ou “Poor Things”, então pode ser que a lista mude em alguns meses. Vi neste ano alguns ótimos filmes de 2022, como “The Beasts” e “Influencer”, que não estão na lista. De qualquer maneira, listas são polêmicas e aqui estão os filmes que gostei muito, alguns até já revi, em 2023:

1 – Barbie – ué, sim, é puro cinema, é contestação, é provocação, é energia, é engraçado e um pouco perturbador para os meninos, é ótimo!

2 – Ninguém Vai Te Salvar – filme que dividiu os fãs de terror, eu gostei demais, assisti três vezes, trabalha com citações mas é uma coisa nova, fazia tempo que não havia algo assim com ETs.

3 – Guardiões da Galáxia Vol. 3 – emocionante, o grande filme da Marvel dos últimos anos, quando acabou fiquei pensando nas grandes sacadas do roteiro, na trilha-sonora bárbara, no que o cinema é capaz e tal.

4 – Clube da Luta para Meninas – ah, que amargamente engraçado, que dupla de protagonistas incrível, que remember dos filmes de colégio dos anos 1980! Podia ser um tanto melhor com um tapa no roteiro, mas valeu cada minuto. A marida não curtiu muito.

5 – Vidas Passadas – é o romance que se esperava para esses tempos de globalização e distâncias, pós-amor-líquido, descrença no futuro… Vi com a marida que amou, achou o melhor filme do ano.

6 – Indiana Jones e a Relíquia do Destino – bem, é o melhor Indy desde o primeiro, fiquei pregado no sofá com aquela sensação de ser um garotinho indo ver o Ford no cinema. Quem não gostou não teve infância. 😛

7 – Retratos Fantasmas – o doc do Kleber Filho me pegou demais, eu que comecei a ver filmes nos cinemas, vi o “ET” do Spielberg num cinema de rua do Rio de Janeiro em minha primeira viagem para lá… E o mais legal é que é um doc sobre cinema que é puro cinema.

8 – Fale Comigo – acho que foi o melhor terror do ano, achei original, bem dirigido e tem um final bem uau, que faz grande sentido para continuações. Bons sustos também.

9 – A Noite das Bruxas – especialistas na tia Agatha não curtiram a adaptação, mas como não li o livro, fui com baixa expectativa, gostei demais! Achei melhor que as duas adaptações anteriores, mais sombrio, mais pesado, várias surpresas e final interessante.

10 – Gran Turismo – De Jogador a Corredor – alguém pode me dizer por que esse filme não aparece em NENHUMA lista? É um filme incrivelmente bem feito pelo Neil Blomkamp, baseado em uma história real (fui ver as imagens reais e o filme é bem fiel), tem ótimas atuações e passou completamente ao largo!

Bem, gostei muito também do argentino “When Evil Lurks” (que, como diz o camarada Santiago Nazarian, podia ter um roteiro um tanto melhorado), também de “A Morte do Demônio – Ascenção”, “O Melhor está por Vir” (do Nanni Moretti)…

Decepções: o “The Killer”, o “Anatomy of a Fall”, o “Asteroid City”, o “Skinamarink”, o “Infinity Pool”…

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